Pela terceira noite consecutiva minha insônia começou às três e trinta e três (joguei no jacaré, 333, deu elefante, 444, na cabeça). Fui até a janela, era a minha última madrugada em Ipanema, o caminhão da mudança estava marcado para o meio dia.
No breu da noite não dava para ver as ilhas Cagarras, mas a draga da Cedae, ancorada pouco além da rebentação, foi um alumbramento, expressão usada, que eu saiba, pela primeira e última vez por Manuel Bandeira ("Um dia eu vi uma moça nuinha no banho/Fiquei parado o coração batendo/Ela se riu/Foi o meu primeiro alumbramento"). Durante o dia a draga é uma embarcação de triste figura, fazendo literalmente um trabalho de merda, consertando o emissário submarino que arrebentou. Mas na escuridão, com todas as luzes acesas, era tão deslumbrante quanto a cena do transatlântico em Amacord, de Fellini.
Pobre carioca, sem poder aproveitar a única coisa que ainda tem de graça. Não que banho de mar me faça falta. Ainda me lembro de quando havia mais água que coliformes fecais no mar, antigamente verde-azulado e hoje mais para o marrom-cocô.
Naquele tempo havia tatuís em Ipanema. O pessoal catava na areia os tatuís que depois da praia eram comidos com arroz no apartamento do Hugo Bidet. O gosto era horrível, mas tudo era festa.
Publicada em Ipanema (se não me falha a memória). Rio de Janeiro: Relume Dumará; Rio Arte; Secretaria Municipa de Cultura do Rio de Janeiro, 2000 (coleção Cantos do Rio).
Fonte: Alma Carioca
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