sexta-feira, 27 de março de 2009

FOG EM IPANEMA

Jaguar

Pela terceira noite consecutiva minha insônia começou às três e trinta e três (joguei no jacaré, 333, deu elefante, 444, na cabeça). Fui até a janela, era a minha última madrugada em Ipanema, o caminhão da mudança estava marcado para o meio dia.

No breu da noite não dava para ver as ilhas Cagarras, mas a draga da Cedae, ancorada pouco além da rebentação, foi um alumbramento, expressão usada, que eu saiba, pela primeira e última vez por Manuel Bandeira ("Um dia eu vi uma moça nuinha no banho/Fiquei parado o coração batendo/Ela se riu/Foi o meu primeiro alumbramento"). Durante o dia a draga é uma embarcação de triste figura, fazendo literalmente um trabalho de merda, consertando o emissário submarino que arrebentou. Mas na escuridão, com todas as luzes acesas, era tão deslumbrante quanto a cena do transatlântico em Amacord, de Fellini.

Pobre carioca, sem poder aproveitar a única coisa que ainda tem de graça. Não que banho de mar me faça falta. Ainda me lembro de quando havia mais água que coliformes fecais no mar, antigamente verde-azulado e hoje mais para o marrom-cocô.

Naquele tempo havia tatuís em Ipanema. O pessoal catava na areia os tatuís que depois da praia eram comidos com arroz no apartamento do Hugo Bidet. O gosto era horrível, mas tudo era festa.

Minhas fontes no quiosque Quase Nove me informaram que não tem mais tatuís em Ipanema. As dunas do Píer onde os baianos quando novos iam chegando e puxando o seu fuminho também não tem mais. Nem as empadas do Mau Cheiro, junto ao ponto final do Camões, o 12 - Central - G.Osório –, daí a Leila Diniz chamar a Praça de Gosório. Nem o Jangadeiro, quando era na Visconde de Pirajá, com o Cabeça gritando "caldereta" para o cara que tirava o chope. Nem aquelas minhoquinhas que picavam as bundas esplendorosas das moças, nem a Rua Montenegro, que virou Vinícius de Moraes (guardei a placa), nem Leila, nem o barbado. O que me sobrou daquela Ipanema embaçada num fog etílico foi a placa da rua Montenegro pregada na parede doutro apartamento, noutro bairro. E que agora está pregada numa árvore numa rua de terra em Itaipava. Amanhã saio de Ipanema para sempre e vou morar na ilha do Leblon.


Publicada em Ipanema (se não me falha a memória). Rio de Janeiro: Relume Dumará; Rio Arte; Secretaria Municipa de Cultura do Rio de Janeiro, 2000 (coleção Cantos do Rio).

Fonte: Alma Carioca


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