Naquele fim de tarde cheguei a pensar que iria cumprir, mais uma vez, uma conhecida rotina. No princípio, até que não me enganei, pois era no mesmo velho ônibus que eu me encontrava disputando, com um amontoado de pessoas, um lugar para sentar.
Vencida a batalha, e de posse do meu lugar, inesperadamente, vi cair sobre o meu colo um enorme buquê de flores do campo. Foi nesse momento que, sem esperar, iniciei um trajeto novo e inesquecível:
- Por favor, segure para mim.
Saiu ligeiro até o cobrador, pagou a passagem e, correndo, voltou para as suas flores.
-Muito obrigado – me disse o senhor – agora eu seguro.
Eu lhe disse que poderia segurar e, ao querer colocá-las – indevidamente – no chão, o homem não concordou e em um grito desesperado, bradou:
- A senhora vai machucar as flores!
Quis tomá-las da minha mão. Não deixei.
Nesse deixa-não-deixa, o ônibus deu aquele famoso freio de arrumação – como se nos mandasse ficar quietos – e o senhor das flores foi jogado, primeiro pra trás, depois, pra frente sem piedade. Eu, que com uma das mãos segurava as benditas flores, com a outra catei o velhinho e fiz o que era certo e de direito: levantei-me e cedi o lugar para ele.
Agradecido, acomodou-se, colocou as flores – que deviam estar cansadas de tantos solavancos – delicadamente, no colo e, voltando-se para mim com olhos brilhantes, quase chorosos, desabafou:
- São para minha filha! Ela faz aniversário hoje. É uma moça maravilhosa e me faz rir até quando brigamos.
Naquele instante, confesso, senti inveja daquela filha, daquele pai, daquelas flores. Eu não podia ficar imune a tanta ternura, a tanto carinho. Era o perfume do amor que exalava a cada vez que aquele pai fazia elogios à sua filha e ajeitava, cuidadosamente, as flores. A impressão que me dava era que em seu colo estava não um buquê de flores do campo, mas ela, ela mesma, a sua filha.
Segui a viagem em pé, porém, ao seu lado, escutando, atenta, as histórias que ele contava a respeito da filha. Seu primeiro aniversário, sua festinha de quinze anos, seu primeiro namorado, o dia em que se casou...
Memórias de pais amorosos podem até ser parecidas, mas, com certeza, têm perfumes inigualáveis.
Quando eu nasci, o meu país não era livre mas, mesmo assim, a cada sete de setembro comemorava-se a Independência do Brasil. Ainda me lembro, apesar de bem pequena, da minha jovem mãe, linda como sempre e, mais ainda, naquele vestido de flores, a me acordar com seu largo sorriso. Eufórica, queria todos de pé para que fossemos assistir ao que ela chamava de parada.
Nesse tempo, criança não tinha vontade própria e, assim como no nosso país o regime não nos dava escolhas, tínhamos que obedecer às ordens superiores. Meus irmãos, eles sim, pulavam da cama ansiosos para ver os tanques de guerra, as acrobacias dos motociclistas e os pracinhas que, com meu pai sempre dizia: haviam lutado na 2ª guerra mundial. Guardo ainda na lembrança, do meu olhar de criança, um sentimento de pena daqueles velhinhos que, a passos lentos, não sei se pelo peso da idade ou das enormes medalhas, arrastavam-se pela avenida.
Se meus irmãos e meus pais se divertiam eu, pelo contrário, torcia pra que aqueles homens de fardas e imensas botinas apressassem o passo e me deixassem brincar de roda gigante no parquinho que, todo ano, era montado na Praça do Campo Grande.
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